NICODEMOS, o Mestre da Lei (Parte I)
Os amigos do Mestre pareciam estranhamente intranquilos naquela noite. A escuridão havia caído depressa sobre a cidade e o fogo das lâmpadas exalava um odor característico de azeite queimado. Olhei em volta e percebi a certa distância a presença de alguns guardas do Templo. Se me vissem seria reconhecido com certeza. Esperei que se afastassem para que eu pudesse sair do meu esconderijo nas sombras, com o coração prestes a saltar pela garganta. Senti a porta se fechar atrás de mim e um frio lacerante percorreu minha espinha.
Segui meus novos amigos com passos cautelosos. Iria finalmente conhecer o nazareno, filho de Yosef, o carpinteiro. Seria ele, de fato, o Salvador de quem Moisés escreveu na Lei e também os profetas? Os sinais realizados em Caná da Galiléia e a expulsão dos cambistas e vendedores de animais do Templo pareciam indicar que, realmente, a espera terminara e que o Libertador de Israel finalmente estava pronto para livrar nosso povo do julgo dos impuros e idólatras. Quem mais, além dele, o Messias esperado, pronunciaria sentenças do tipo: “Destruam esse Templo, e em três dias eu o levantarei”?
Enquanto seguia os amigos do Rabi naquela incursão secreta pelas ruas e becos da cidade, eu tentava adivinhar as feições do Galileu. Os que o viram pregar nas sinagogas diziam que era moço, alto, cabelos longos, barba escurecida e pele bronzeada.
Tais pensamentos me fizeram perder o contato com a realidade por um breve instante e, naquele átimo de tempo, quase expus nossa presença, ao tropeçar numa pedra pelo caminho. Um dos discípulos voltou apressado na minha direção e estou certo que o olhar que me lançou escondia uma linguagem profundamente obscena. Pedi desculpa e com certa dificuldade me pus de pé novamente, mãos e braços sujos de terra e com tênues rastros de sangue nos cotovelos.
Continuamos a caminhada por mais alguns minutos, até chegarmos a uma pequena casa de aspecto humilde, onde crepitavam pequenas lâmpadas no seu interior, denunciando a movimentação dos moradores no recinto. Antes de entrar, corri a vista pelos arredores, na busca de algum espião. Não percebi nada de anormal na vizinhança. Fomos recebidos por um senhor atarracado, que nos indicou o local da secreta reunião. Cruzamos um pequeno corredor escuro e seguimos até uma sala ampla. Antes de entrar, fui revistado por um homem que, a julgar pelos trajes e cheiro característicos, devia ser pescador. Descemos alguns degraus e, mesmo de longe, pude divisar aquela figura esguia, alegre, de face transluzente e olhar penetrante. Lá estava ele, finalmente – o Mestre, o Rabi que muitos chamavam de Yeshua, o filho primogênito de Yosef e Miriam.
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Alexandre José – Paróquia Santo Antônio